Na contramão do exterior, dólar sobe com risco doméstico no radar
Apesar da queda do dólar norte-americano no mercado externo, a moeda à vista ganhou força nas últimas horas de negociação e encerrou a sessão desta sexta-feira, 24, em alta, no maior nível de fechamento no mês. A desvalorização do real reflete uma combinação de busca por proteção em ambiente de liquidez reduzida, devido ao feriado de segunda-feira nos Estados Unidos (Memorial Day), com um aumento da percepção de risco doméstico.
A moeda brasileira já apresentava desempenho inferior ao de seus pares desde o início das negociações, mas sofreu mais tarde devido a declarações do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sobre a deterioração recente das expectativas de inflação.
Analistas afirmam que há um desconforto crescente dos investidores com a percepção de menor compromisso do governo com o cumprimento das metas fiscais e temores de um BC mais permissivo com a inflação a partir do ano que vem, quando Campos Neto será substituído por nome indicado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
Com valor máximo de R$ 5,1765, o dólar à vista fechou com avanço de 0,27%, cotado a R$ 5,1679 – maior valor de fechamento desde 30 de abril (R$ 5,1923).
Na semana, a moeda acumulou valorização de 1,29%, reduzindo as perdas no mês a 0,47%. Operadores observam que o dólar à vista operou em nível similar e até inferior ao do contrato de dólar futuro para junho, o que sugere escassez de moeda no segmento spot.
“Como segunda-feira é feriado nos EUA, a liquidez vai diminuindo. Essa alta do dólar é uma combinação de redução da liquidez com a fala do Campos Neto”, afirma o economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi, em referência a declarações do presidente do Banco Central nesta sexta-feira à tarde.
Em evento na Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, Campos Neto diz que “vê a expectativa de inflação subindo bastante” devido a vários fatores, incluindo o “tema da credibilidade do Banco Central”.
Essa afirmação do presidente do BC vem após ruídos provocados pela declaração do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esta semana, de que a meta de inflação brasileira é “muito exigente e inimaginável” – o que levantou suspeitas sobre aumento da meta de inflação, uma vez que o governo ainda não publicou decreto com a mudança do modelo atual para o regime de meta contínua em 3% a partir de 2025.
Borsoi destaca que, ao atribuir a deterioração das expectativas a um questionamento da credibilidade do BC, Campos Neto se diferencia de declarações recentes de diretores do Banco Central, que “vinham reforçando a ideia sobre a piora fiscal e dos juros lá fora”.
Apesar de exibir leve apreciação em relação ao dólar em maio, o real apresenta o pior desempenho entre as principais moedas emergentes no mês, especialmente na comparação com os pares latino-americanos, como os pesos mexicano e chileno.
O chefe da mesa de operações do C6 Bank, Felipe Garcia, observa que maio tem sido marcado por um enfraquecimento do dólar em relação à maioria das moedas, apesar da percepção de que os juros podem demorar mais a começar a cair nos Estados Unidos.
“Internamente, a agenda não é positiva. As dúvidas sobre a política fiscal cresceram, houve a troca de presidente da Petrobras e aumentou a preocupação com quem será o próximo presidente do Banco Central”, afirma Garcia. “A inflação implícita está subindo e também as expectativas no Boletim Focus. Os investidores estão exigindo mais prêmios nos ativos locais”.
No exterior, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar em relação a uma cesta de seis divisas fortes – recuava cerca de 0,30% no fim da tarde, ao redor dos 104,700 pontos, com queda acumulada de quase 1,50% em maio. Entre indicadores divulgados nesta sexta-feira, dados de sentimento do consumidor e expectativas de inflação nos EUA tiveram piora, mas abaixo da esperada. Já as encomendas de bens duráveis subiram 0,7% em abril, enquanto se esperava queda de 0,6%.
Já em nível bem esticado, o DXY caiu nesta sexta-feira mesmo após monitoramento do CME Group mostrar deslocamento da aposta majoritária de primeiro corte de juros nos EUA de setembro para novembro (50,2% de chances). No ano, o Dollar Index ainda acumula avanço de mais de 3%.